Quem é o homem que está juntando os cacos do império de Eike

Quem é o homem que está juntando os cacos do império de Eike

Para salvar o que restou de grupo EBX, Ricardo K está aprendendo que o estilo conciliador que o consagrou precisa de ajustes

Por: Márcio JULIBONI

Diz a lenda que a espécie mais rara de homem é o que a ex-mulher ainda admira. O empresário Ricardo Knoepfelmacher, fundador da gestora Angra Partners e atual salva-vidas de Eike Batista, é um dos poucos representantes dessa turma no Brasil.

Há alguns anos, deixou os amigos boquiabertos ao comprar um carro novo para a ex. O mais inusitado, porém, foi presentear o vendedor que o atendeu com uma garrafa de bom uísque. “Ele me tratou muito bem”, foi a sua justificativa.

A história é um bom exemplo do traço mais característico de Ricardo K, como gosta de ser chamado: sua capacidade de evitar conflitos e negociar soluções amistosas. “Ele não é um piadista, mas sabe manter o bom humor e é um mestre do network”, diz um velho amigo, que pediu para não ser identificado.

Quem o acompanha há muitos anos é unânime em dizer que saber se relacionar foi o grande trunfo para seu sucesso no mundo dos negócios – sobretudo na área que escolheu, a gestão de fundos.

Garoto prodígio

O motivo é simples: apesar do sobrenome pomposo, Ricardo K vem de uma modesta família de classe média. Aos mais íntimos, ele costuma brincar, dizendo que saiu da Universidade de Brasília, onde se formou em Economia, “com uma mão na frente e outra atrás”.

Assim, ele teve de construir sua própria teia de relações para alcançar o sucesso. Ser político, saber negociar e costurar acordos foi fundamental para atrair grandes investidores para a Angra Partners, sua gestora.

Foi assim, por exemplo, que os contatos cultivados no Citibank, desde a época em que se tornou o mais novo vice-presidente da instituição no País, aos 23 anos, serviram, tempos depois, para lhe garantir o apoio para assumir a direção da Brasil Telecom.

Em guerra com o Opportunity, o Citi apoiou a indicação da Angra, então uma pequena empresa gerida pelo garoto prodígio que passou pelo banco, para reestruturar a operadora de telefonia. A confiança do banco também pesou na decisão da Previ e da Funcef (os fundos de pensão do Banco do Brasil e da Caixa, respectivamente) em apoiá-lo.

Aquele foi o primeiro grande momento em que Ricardo K sentiu, com todas as letras, a diferença entre administrar investimentos e gerir uma empresa gigante que precisava de medidas drásticas. Quem conviveu com ele naqueles anos afirma que foi uma fase de “endurecimento”. “Ele continuou simpático, mas ficou mais pragmático”, diz um parceiro de negócios.

Não era para menos. Em 2005, a BrT enfrentava uma crise societária que paralisava a gestão e causava um prejuízo de R$ 167 milhões. Ele precisou tomar medidas fortes, como cortar funcionários, rever contratos e renegociar preços. Em 2006, a BrT já fechava com um lucro de R$ 241 milhões.

Show me the money

A mesma lição está sendo revista por Ricardo K nos últimos meses, mas com personagens muito mais duros: os credores do grupo EBX, do encrencado ex-bilionário Eike Batista.

Conta-se que, ao iniciar uma das tensas reuniões com os credores, Ricardo K tentou quebrar o gelo com uma tirada simpática. “Nem dormi essa noite, pensando em vocês”, disse, ao entrar na sala. A recepção não poderia ser mais fria. Um dos advogados virou-se para outro e comentou: “E daí que ele não dormiu? Eu quero soluções.”

A frase não foi apenas um jogo de cena. Desde que foi contratado por Eike, Ricardo K mergulhou no resgate da EBX com a habitual dedicação, composta por jornadas cavalares de trabalho, a ponto de ser visto na praia, dentro de seu carro, em um fim de semana, participando de uma teleconferência com credores pelo celular, enquanto sua família se divertia (ele se casou pela segunda vez, e é pai de três filhos).

É verdade que o executivo não chegou até aqui apenas distribuindo sorrisos e apertos de mão. Desde que se tornou o escudeiro de Batista, Ricardo K tomou algumas medidas firmes.

Uma delas, muito simbólica, foi a demissão do tunisiano Aziz Ben Ammar, antigo homem forte do dono da EBX e considerado um de seus melhores amigos. Outra foi escantear o banqueiro André Esteves, fundador do BTG Pactual, que era o principal articulador do salvamento de Batista até a sua chegada.

Primeiros resultados

Além disso, Ricardo K obteve algumas vitórias fundamentais para a EBX. A primeira é garantir dinheiro para que as empresas continuem funcionando. Em janeiro, por exemplo, a OGX conseguiu um empréstimo-ponte de US$ 50 milhões, por meio de um contrato de pré-pagamento de exportações, com uma taxa de desconto de 20% e prazo de 60 dias para vencer.

Depois que a empresa revelou, em seu balanço, ter fechado 2013 com apenas US$ 11 milhões em caixa, é possível entender a pressa de Ricardo K para obter algum dinheiro para a companhia.

Os recursos mais substanciais, porém, vieram com o acordo de subscrição de debêntures fechado com credores da petroleira em fevereiro. Com ele, a OGX recebeu uma injeção de US$ 125 milhões ao apresentar o plano de recuperação judicial.

Se o documento for aprovado, outros US$ 90 milhões serão desembolsados pelos compradores das debêntures, que serão convertidas em ações da companhia e garantirão, aos seus possuidores, 65% da empresa.

Outra frente que está avançando é, justamente, costurar a reestruturação da EBX. Desde que chegou, Ricardo K já conseguiu que os credores assinassem, na véspera de Natal, um plano de apoio ao grupo (o “plan support agreement”), que traçou as linhas básicas do resgate da OGX.

Esse apoio foi considerado uma grande vitória, após as tentativas de um acordo amigável fracassar em novembro, já sob a batuta do executivo. Depois disso, em fevereiro, Ricardo K e sua equipe conseguiram, finalmente, apresentar o plano de recuperação judicial da petroleira. O próximo passo é vê-lo aprovado.

Sem afinidades

O problema é que nem todos os sorrisos e suor de K amoleceram os credores até agora. “Os americanos são muito menos sensíveis ao estilo do Ricardo”, diz um dos maiores credores do grupo EBX. “Eles são muito mais práticos e duros.”

É por isso que alguns apostam que, para concluir a reestruturação da EBX, o executivo precisa adaptar seu estilo. Primeiro porque é virtualmente impossível costurar um consenso entre os credores – algo muito apreciado por K. “Ele tem um estilo de negociar muito japonês: procura solucionar tudo nos bastidores, sem levar conflitos para a mesa”, afirma alguém a par de seus métodos.

Há, neste caso, apenas um consenso. Os credores querem ser pagos – e o mais rápido possível. Apenas para se ter uma ideia das cifras com que Ricardo K lida atualmente: a combalida ex-OGX deve US$ 5,8 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões, pela cotação atual do dólar). A OSX, criada por Batista para construir e operar as plataformas de petróleo da OGX, também em recuperação judicial, tem dívidas de R$ 4,5 bilhões.

Além disso, o patrimônio pessoal de Batista estaria negativo em cerca de US$ 1,2 bilhão, segundo cálculos da agência de notícias Bloomberg, devido às garantias que o empresário deu a empréstimos de suas companhias. Só isso perfaz cerca de R$ 20 bilhões em dívidas que Ricardo K está renegociando.

Mesmo aceitando converter suas bilionárias dívidas em ações da OGX da OSX, os credores não têm interesse em se tornar donos de uma petroleira ou de um estaleiro. “Será impossível agradar a todos”, diz uma fonte que negocia ao lado de Ricardo K. “Já está na conta que haverá contestações.”

Esse é o segundo ponto que dificulta o modo de ação de Ricardo K. Desde os sinais de decadência de Batista se tornaram evidentes, os credores originais das dívidas, como os bancos, venderam seus bonds e outros títulos de dívida no mercado secundário para os chamados “fundos abutres” – aqueles que, no limite, não hesitam em fechar uma companhia e vender seus ativos para ganhar dinheiro.

Mesmo quem emergirá da conversão de dívidas em ações como membro do bloco de controle da ex-OGX, como a Pimco, só quer sair o mais rápido possível dessa situação. “Sem dúvida, é um grande pepino para o Ricardo K”, diz alguém a par.

Menos afagos

A bem da verdade, o balanço geral é de que ele está acertando mais do que errando. “O Ricardo soube reagrupar as forças, quando tudo parecia perdido”, diz o credor, referindo-se ao momento, no final de novembro, em que as negociações amigáveis fracassaram e a recuperação judicial da OGX tornou-se inevitável.

Uma vez pedida a proteção da Lei de Falências, o executivo voltou à tona para costurar o plano de reestruturação. Segundo o placar, até agora, é favorável a Ricardo K. “Ele está no caminho.”

Um antigo parceiro de negócios conta outra anedota reveladora sobre K. Nos tempos em que apenas se dedicava a gerir a Angra, uma cliente confessou a um sócio, após uma reunião de trabalho: “Eu sei que metade do que o Ricardo fala é puro marketing, mas é tão bom de ouvir.” Os credores de Eike, porém, querem ouvir outra coisa: quando finalmente receberão seu dinheiro. A resposta nem precisa vir acompanhada por um sorriso. E Ricardo K está, cada vez mais, percebendo isso.

Fonte: IstoÉ Dinheiro

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